COVID-19: é uma doença trombótica?

A COVID-19 é uma doença que apresenta muitos sintomas e entre eles, há aqueles que apresentam maiores complicações, por exemplo os distúrbio de coagulação.

Entre os sintomas ligados aos distúrbios coagulatórios estão a insuficiência respiratória e a fibrose pulmonar.

A hipótese de distúrbios de coagulação sanguínea ligada à COVID-19 foi levantada por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP).

O tema ganhou destaque e, portanto, ganhou destaque em reportagens em todo o mundo, ganhando as páginas da Science e da Nature.

Uma das primeiras pessoas a perceber o “caráter trombótico” da doença foi a médica Elnara Negri, que atua no Hospital das Clínicas da FM-USP e também do Hospital Sírio-Libanês.

“Foi por volta do dia 25 de março. Tratávamos uma paciente cuja função respiratória piorava rapidamente e, quando ela foi entubada, percebi que seu pulmão era fácil de ventilar. Não estava enrijecido, como seria esperado em alguém com síndrome do desconforto respiratório agudo. Logo depois notei que essa pessoa apresentava isquemia em um dos dedos do pé”

Elnara Negri – médica do Hospital da Clinicas FM-USP e Hospital Sírio-Libanês

O chamado COVID-19 toes (dedos do pé de COVID) é o sintoma observado e causa, portanto, uma obstrução de pequenos vasos que irrigam os dedos dos pés.

A médica já havia observado fenômeno semelhante, muitos anos atrás, em pacientes submetidos a aparelhos de circulação extracorpórea, durante cirurgia cardíaca.

“O equipamento que se usava antigamente bombeava oxigênio no sangue e induzia a formação de coágulos no interior dos vasos. Eu já tinha visto aquele quadro e sabia como tratar”

Elnara Negri – médica do Hospital da Clinicas FM-USP e Hospital Sírio-Libanês

A médica prescreveu heparina, um dos medicamentos mais usados no mundo, e em menos de 18 horas o nível de oxigenação da paciente melhorou. O dedinho do pé, que estava vermelho, ficou cor-de-rosa.

Os efeitos foram se repetindo em outros casos atendidos no Sírio-Libanês e, então foram percebendo uma eficácia maior do tratamento.

 “Após esse dia, tratamos cerca de 80 pacientes com COVID-19 e, até agora, ninguém morreu. Atualmente, quatro estão na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] e os demais ou estão na enfermaria ou já foram para casa”

Elnara Negri – médica do Hospital da Clinicas FM-USP e Hospital Sírio-Libanês

Perceberam que, enquanto a maioria dos estudos indica que casos da doença causada por SARS-CoV-2 necessitam, em média de 28 dias de ventilação mecânica para recuperação, os pacientes tratados com heparina geralmente melhoram entre o 10º e o 14º dia de tratamento intensivo.

A experiência foi utilizada em 27 pacientes, submetidas portanto, ao protocolo desenvolvido pelo Sírio-Libanês e foi descrita em artigo, disponível na plataforma medRxiv ainda em versão preprint (sem revisão por pares).

Evidências Patológicas

Negri compartilhou o achado com seus colegas do Departamento de Patologia da FM-USP Marisa Dolhnikoff e Paulo Saldiva.

Esses pesquisadores estão coordenando as autópsias de pessoas que morreram em decorrência da COVID-19 no Hospital das Clínicas.

Por meio de procedimentos minimamente invasivos, desenvolvidos durante um projeto apoiado pela FAPESP, os patologistas haviam observado a existência de focos hemorrágicos na rede de pequenos vasos do pulmão, assim, associados à presença de microtrombos.

Juntos os pesquisadores da FM-USP redigiram o primeiro artigo da literatura científica que descreveu “evidências patológicas de fenômenos trombóticos pulmonares em COVID-19 grave”.

O trabalho, revisado por pares e aceito para publicação no Journal of Trombosis and Haemostasis tem potencial para revolucionar o tratamento da doença.

Evidência Definitiva

Para comprovar a eficácia da heparina no tratamento da COVID-19 ainda é preciso fazer um ensaio clínico randomizado, ou seja, separar dois grupos de pacientes com características semelhantes aleatoriamente e tratar apenas um deles com o fármaco, para em seguida comparar os resultados com os observados no grupo não tratado.

Os pesquisadores da FM-USP planejam iniciar um projeto com essa finalidade, em parceria com grupos da Universidade de Toronto e da Universidade de Amsterdã.

Eles aguardam apenas a aprovação do Comitê de Ética do Hospital das Clínicas e da Comissão de Ética em Pesquisa (Conep) para realizarem, assim, o projeto.

“A ideia é tratar com heparina aqueles pacientes que acabaram de chegar ao pronto-socorro com queda na saturação [de oxigênio] e observar se com o tratamento anticoagulante é possível evitar a ventilação mecânica”

Elnara Negri – médica do Hospital da Clinicas FM-USP e Hospital Sírio-Libanês

Fonte: Agência FAPESP

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